terça-feira, 29 de março de 2011

ver é mesmo complicado

tudo começou com a "ode à cebola" do pablo neruda, parte da belíssima "a complicada arte de ver" do rubem alves, que recebi de minha irmã. era pra ser daquelas belezuras que só as sortudas que têm irmã conhecem. aquelas manifestações de amor da igual pra igual, mesmo quando não são univitelinas. 
mas o diabo da cebola me fez chorar. não só pela beleza da analogia da irmã generosa, que me mandou o texto sabendo que eu gosto de observar, de cozinhar, de escrever. 
a cebola me ardeu fundo. descascou a incompreensão do incalculável alcance da maldade. me remeteu ao final da semana passada, quando, horas após ter sido vítima daquela merda do golpe do "sequestrei seu filho" com um filho de chocadeira chorando ao fundo "mãe, mãe, me assaltaram, mãe, socorro",  a mesma e única irmã me telefonou pra testar a temperatura e pressão e as encontrou altíssimas. e tentava me acalmar:  "lembre-se de que o mundo está cheio de gente boa!"  e eu gritava, descontrolada: "não está não!  se estivesse, a vida não era assim!"
como por óbvio, a revolta passou, mas o espanto não.  não, irmã querida, o mundo não está cheio de pessoas boas. elas existem, taí você como mais bela prova.  mas a ode à cebola ganhou subitamente a conotação contrária à de neruda, que só tinha olhos para a beleza, para a perfeição do círculo concêntrico, para a mandala escondida no pimentão, no tomate, no pepino...
enxergar a beleza é e sempre será uma bênção.  mas o descascar pode expor desumanidades mais que harmonias,  fedores mais que simetrias, cortes na carne mais que sabores destacados.
ao fim e a cabo, fica sempre a faculdade do livre arbítrio. sempre poderemos optar pela bondade, pela empatia. pela caridade, pela simpatia.  sempre poderemos cortar a cebola e chorar ante tanto ardor e beleza. 
os caminhos estão aí. são nossos. a escolha é o que faz a diferença.

terça-feira, 22 de março de 2011

fino fio

a linha tênue
que nos sustenta
balança a qualquer brisa
estica-se quando aguenta
rompe-se e não avisa

só às aranhas foi concedido o dom de tecer a linha da vida indefinidamente.

sábado, 12 de março de 2011

pós-maremoto

na última sexta-feira, nós ocidentais fomos acordados pelas imagens da tragédia no japão. passamos o dia no impacto daquela língua negra de água arrastando velozmente tudo o que encontrava pela frente. não estou segura, mas imagino que descontando os psicopatas, que entre outras coisas não possuem empatia, todos passamos o dia com um nó no estômago, principalmente porque ao horror das imagens somou-se um localizado acidente nuclear, de proporções ainda não muito claras. 
chegando em casa à noite, fui recebida pela corrida de meus dois sobrinhos, que entraram comigo para papear. conversa vai, conversa vem, chega o inevitável assunto japão, a tragédia, o tsunami, os últimos acidentes naturais de proporções similares. foi aí que o bernardo, do alto dos seus 10 anos, me pergunta se esse foi um dos maiores terremotos de que temos notícia, e já emenda no raciocínio de que antes de existirem o homem e a máquina que mede os terremotos,  lá  no tempo da pangeia, os terremotos deviam ser maiores, né, senão eles não teriam conseguido dividir os continentes, que até hoje se encaixariam todinhos, se a gente conseguisse.  
meu sobrinho de 10 anos discursando sobre pangeia.  eu sei que é egoísmo, mas é uma alegria quando a tragédia está distante da gente.

sábado, 5 de março de 2011

navegar é preciso

o cansaço é duro
vence a vontade
e a maior das esperanças
mas ele dói mesmo
é quando cansa tão fundo
que a gente se cansa de cansar